Classe média: o sonho! Ricos, poucos de nós nascemos. Pobre, ninguém quer ser. Assim, resta a classe média como o padrão de vida que a grande maioria dos brasileiros “reles mortais” almejam. Classe média mora em casa própria, com carro na garagem (dois é melhor!).
Tem cozinha planejada com geladeira descolada, de aço escovado, de preferência com água gelada na porta. Na sala, TV de LED e sofás de couro. No armário, tênis caro e roupa de marca. Nas mãos, note e smartphone novinhos. Classe média viaja (até para o exterior!), passeia, come fora. Faz unhas, cabelo, até massagem relaxante.
Para todos! Que mal há em querer ter um boa vida, amparada por itens de conforto e conveniência como estes mencionados acima? Mal nenhum. Se tenho, quero que todos os brasileiros tenham! Se uns podem, por que os outros não? Durmo mais tranquilo em saber que os pobres de marré são hoje a minoria do nosso povo (uma minoria que ainda amonta alguns milhões, mas já minoria).
Agora, cá entre nós, nossa nova classe ainda ganha muito pouco. Do ponto de vista do nível dos salários, dá para dizer que são quase uma classe baixa remediada. Aí mora o perigo: o sujeito não ganha essa grana toda, mas tem esta gana toda!
Solução? O risco de “pensar pobre” diante desta realidade é grande. “Eu quero, mas não ganho para isso. Mereço, não ficarei sem. Mas como não ganho para isso, bem, o jeito é fazer dívida, dívida e mais dívida. Não tem saída: se pobre não tiver dívida, não conquista nada nesta vida!”
Nossos bancos, que vivem de alugar dinheiro caro para “complementar sua renda”, se regozijam nesta traiçoeira “solução mágica” para combater a pobreza. E aí? Se a renda já não é bastante para comprar o padrão de vida que a família deseja, será suficiente para também arcar com as dívidas e seus enormes juros embutidos?
Solução! Crédito (caro) não resolve a pobreza do pobre, só a agrava. O que resolve? Da porta do bolso para fora, a economia brasileira tem de ser passada a limpo, com as reformas tributária, trabalhista, dos portos, das estradas, da infraestrutura de base da produção do país.
Isso elevaria a produtividade e permitiria que os brasileiros ganhassem aumentos reais de salário. É o que nós, cidadãos brasileiros, esperamos de todo bom governo. Da porta para dentro? Planejar, poupar, aplicar, ganhar juros, comprar à vista e com desconto, dizer não ao crédito caro e um belo sim ao planejamento financeiro!
Apronte! Não tem dinheiro para comprar? Vá juntar, porque se parcelar vai pagar um montão de juros, é assim que a coisa funciona! Imagine um lojista que comercializa geladeiras de um determinado modelo.
Sua loja pagou ao fabricante R$ 500,00 por cada refrigerador. Fazendo os cálculos na ponta do lápis, o lojista chega à conclusão de que, se vender por R$ 700,00 (com R$ 200,00 de margem sobre o custo da mercadoria), conseguirá ajudar a pagar seus custos de operação (que cabe àquele item bancar), e ainda obterá o lucro desejado (para aquela peça). Daí, então, ele anuncia a geladeira por R$ 700,00 à vista, certo? Errado.
“Sem juros”. O lojista sabe que bem pouca gente tem R$ 700,00 prontos. Nem tanto porque o brasileiro ganhe pouco (até poderia ganhar mais) mas principalmente porque não tem cultura de poupança, e daí nunca tem dinheiro maior pronto para nada.
Se pedir R$ 700,00 na lata por cada refrigerador, ficará com praticamente todo o seu estoque encalhado. Então ele anuncia a geladeira por 12 parcelas “sem juros” de R$ 69,90. Para que desembolsar R$ 700,00 se você pode pagar uma “parcelinha” de apenas 10% deste valor?!
Vendido! Ofertando este plano de parcelamento “sem juros”, o lojista acabará “rasgando de vender” a tal geladeira, pois viabilizou a venda tanto àqueles que não tinham o dinheiro pronto (nove a cada 10 potenciais compradores), como àquele (uma a cada 10) que tem a grana toda, mas não tem “coragem” de torrar sete notinhas de cem num mero celular. De quebra, ampliou seu lucro: agora vai apurar R$ 838,80 no total, R$ 138,80 ou 20% a mais. Parte irá para o banco, mas outra ficará na loja, mesmo.
Vantagem! Logo que surgiram os parcelamentos – em três, em seis, em 10 e mais recentemente em 12 vezes “sem juros” – ainda havia a pecha de que parcelar era coisa de pobre. Para evitar o preconceito do consumidor, nada como “racionalizar a vergonha”.
Surgiu assim o argumento de que “ao parcelar, você manterá o dinheiro aplicado, e ele ficará rendendo juros, dando a você uma boa vantagem financeira”! E quem não gosta de levar vantagem, certo?
Vantagem? Quem tiver dinheiro aplicado e preferir pagar uma determinada compra, por exemplo, em três prestações, ao invés de à vista, ganhará menos de 1% de juros (numa aplicação conservadora) sobre o valor da compra.
Mesmo que o parcelamento seja em 12 vezes, o ganho será de algo como 3%, um percentual ainda diminuto frente ao possível desconto à vista e ao risco de bagunçar o orçamento com tanta parcela pendurada! Isso poderia inclusive acarretar em dívidas emergenciais para tentar consertar a situação, tendo de incorrer nos amargos juros cobrados pelo dinheiro alugado.
Quer saber? Distância das parcelas! Se tiver, compre; se não, junte! Daí compre à vista e com desconto, sem carnê e sem medo de ser feliz!
Sim, vantagem! A vantagem de parcelar uma compra é muito mais ilusória do que financeiramente concreta. O apelo do “ganho financeiro” do parcelamento fala fácil a nossa percepção mais rasa de bom senso, mas, ao fazer os cálculos, você acaba identificando que a vantagem financeira do parcelamento não compensa a desvantagem financeira de bagunçar suas contas pessoais com tanta parcela!
Foto “Rich family”, Shutterstock.