Vamos começar este texto com uma pergunta: você me emprestaria R$ 1.000 para que eu te devolva o mesmo montante daqui a um ano, sem nenhum juro ou ganho de capital?
A resposta para a pergunta deveria ser um “não, é claro”! Por três motivos chaves:
- Inflação: 1 Real hoje vale mais do que um real no futuro. Motivo: aumento de preços e perda de poder aquisitivo de dinheiro;
- Risco de default: este é o risco de crédito, ou seja, a probabilidade do descumprimento do empréstimo;
- Preferência de consumo agora do que no futuro: em geral, você iria preferir comprar um Land Rover hoje do que amanhã. Para atrasar este consumo, é necessária uma compensação.
Esta é a mesma maneira que os empréstimos funcionam. Você empresta dinheiro e recebe os juros e o principal (ou seja, o montante original emprestado) de volta.
Às vezes, a taxa de juros é alta, às vezes, baixa. Às vezes não há nenhuma taxa de juro. Mas você não iria aceitar um retorno negativo para assumir tal risco. Existe exatamente o mesmo princípio para a avaliação de empresas e investimentos também.
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Mudando a proposta
Em outras palavras, se eu mudar minha proposta para lhe emprestar os mesmos R$ 1.000 e devolver somente R$ 990, você não aceitaria. Aqueles que aceitariam, me procurem depois please.
Mas, essencialmente, é isso que as políticas de taxas de juros negativas (ou NIRP, sigla em inglês), adotadas por vários bancos centrais mundiais, querem dizer.
Com isso, você está literalmente pagando alguém para tomar o seu dinheiro. Confuso? Certamente é, especialmente do ponto de vista brasileiro, com a taxa Selic em 14,25%, uma das mais altas do mundo.
Uma maneira simples de pensar nisso, é a semelhança em pagar uma taxa para alugar um cofre e guardar seus pertences.
No entanto, atualmente com trilhões de Dólares no total de títulos soberanos negativos em circulação em todo o mundo, as NIRPs tornaram-se uma questão econômica chave.
Além disso, há também um desafio nas regras básicas de finanças: para correr um risco (através de emprestar ou investir seu dinheiro) você deveria exigir um retorno. Taxas negativas parecem transformar este conceito de cabeça para baixo.
Mas como chegamos neste ponto?
Ao longo dos últimos 40 anos, os juros internacionais foram em uma trajetória descendente. A crise financeira de 2007-09 reforçou esta tendência.
Em resposta à crise, os bancos centrais reduziram as taxas de juros para níveis historicamente baixos. Em 2009 e 2010, isso foi visto como apenas uma solução temporária: com a vinda da recuperação, voltaria ao normal.
No entanto, os limites de “normalidade” monetária continuaram mudando. Ultimamente, programas de afrouxamento monetário (o chamado “quantitative easing”) e crises (como na Grécia) foram responsabilizados.
Subidas das taxas estavam sempre para vir em breve. Os bancos centrais da Dinamarca, Suécia, Suíça, Zona do Euro e no Japão (cerca de 25% do PIB global) atualmente estão com juros a baixo de zero.
Ou seja, os proprietários de dívida estão basicamente pagando os governos para emprestar-lhes dinheiro.
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Algo contra intuitivo
Como mencionado, tal desenvolvimento é difícil de conciliar com a teoria financeira e, especialmente, com o valor do dinheiro no tempo. Um passarinho na mão vale dois voando, não é?
Encontrado no capítulo 1 dos livros de finanças, o valor do dinheiro no tempo é essencial para considerar opções em negócios e investimentos.
Ele funciona com a premissa de que a maioria das pessoas preferem receber alguma coisa agora, em vez da mesma coisa no futuro.
Isso significa que R$ 1,00 daqui um ano vale menos do que hoje. Por isso, voltando, não faz sentido aceitar uma proposta de R$ 990 reais no futuro para ter mil reais agora (a menos, claro, que um ambiente de deflação esteja sendo amplamente esperado).
Quanto maior o risco de não obter seu dinheiro de volta no futuro, maiores as taxas de juros. Acrescenta-se a isso a preferência natural do ser humano de consumir mais cedo do que mais tarde. É por isso que as taxas negativas são tão contra intuitivas.
Então, o que são os objetivos de taxas negativas?
- Crédito: reduzir a atratividade da poupança e incentivar empréstimos. Isto é feito através da redução dos custos de financiamento com o objetivo de ampliar os empréstimos, a velocidade do dinheiro e assim, a atividade econômica;
- Preços de ativos (“efeito de riqueza”): taxas de juro baixas impulsionam os preços dos ativos através da redução da taxa de desconto sobre os fluxos de caixa de ativos, bem como a recompra de ações pelas empresas;
- Reequilibrar os portfólios: tentando incentivar os investidores a mudarem de títulos de renda fixa para ativos mais arriscados de renda variável.
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E quais são as desvantagens potenciais?
- Primeira: as taxas de juros negativas podem afetar negativamente a saúde e rentabilidade do sector bancário comercial, reduzindo o seu “spread” (que é a chave para o seu modelo de negócios) se eles não repassarem aos clientes, e também o risco de uma grande quantidade de saques, se o fizerem;
- Segunda: as taxas de juros negativas podem representar uma outra escalada da guerra cambial (taxas mais baixas podem levar à desvalorização da moeda e as exportações, assim, mais competitivas), o que poderia prejudicar o comércio global;
- Terceira: as taxas de juros negativas poderiam ser uma admissão não só dos limites da política monetária, mas também um sinal sintomático da mais ampla fraqueza econômica e da demanda restrita.
Assim, a pergunta-chave é: será que vai funcionar?
A resposta simples. Parafraseando Zhou Enlai sobre a Revolução Francesa: é muito cedo para dizer. De fato, podem haver algumas potenciais externalidades negativas e consequências não intencionais.
Além disso, poderiam ter impactos diferentes na Dinamarca do que o Japão por exemplo. E aqui não estamos falando apenas de uma dinâmica de curto prazo.
Em alguns países, vencimentos de títulos de até 50 anos tornaram-se negativos. Para economias emergentes como o Brasil, poderia haver um aumento no investimento interno enquanto a “busca por rendimento” global se intensifica.
Alguns comentaristas falaram sobre as NIRPs serem um “novo normal” para os mercados financeiros. Como os custos de capital são reduzidos – como o argumento – as avaliações de ativos são automaticamente empurradas para cima.
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No entanto, há evidências que sugerem que os prêmios de risco de capital próprio e investimentos não estão reduzindo em linha com as taxas negativas de títulos.
Da mesma forma, se a visão macro não melhorar, o outro lado seria fundamentos mais fracos. Com isso, valuations mais fracos também, pois as expectativas de retornos futuros são reduzidas.
É da natureza humana que, ceteris paribus, um passarinho na mão vale mais do que dois voando. Mas, por agora, temos de estar cientes dos impactos deste potencial “novo normal“ das taxas de juro negativas.