Renato comenta: “Navarro, com toda essa conversa de bolsa de valores e ‘rali do impeachment’, estou empolgado com o assunto. Estou pensando em vender um dos dois carros que temos na família para investir esse dinheiro na bolsa. O que você me diz?”
Tema legal esse de investimentos em renda variável, e faz algum tempo que não falo sobre isso. Invisto já tem mais de 15 anos e aprendi algumas coisas interessantes sobre mercado, sendo a mais importante delas o quanto o comportamento é responsável por sucessos e fracassos nos investimentos.
Choque de realidade
Vou ser direto para dar esse recado inicial: as pessoas gostam de ganhar dinheiro fácil. Este é o motivo de tantos caírem no “canto da sereia”, embarcando em negócios “furados” e, claro, se dando muito mal.
Há uma dificuldade na mente das pessoas para aceitar algo simples: não existem atalhos para o enriquecimento lícito.
É necessária muita maturidade para assumir as responsabilidades pelas decisões que tomamos. Você pode usar o seu tempo para lutar e conquistar seu patrimônio dia a dia, ou pode ficar onde está, reclamando que vida é difícil.
Você pode escolher trabalhar à noite e nos fins de semana para fazer uma renda extra, ou gastar o pouco que tem nos jogos de azar (como as loterias), na esperança de enriquecer com mais facilidade.
Acredite: os atalhos para enriquecer normalmente terminam em dor e sofrimento. É só uma questão de tempo; na maioria das vezes, isso acontece muito rápido e a responsabilidade pelas perdas é inteiramente sua, e não de quem te convidou para o “super esquema”. A responsabilidade é sua porque a decisão de “investir” foi sua.
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Necessidade de investir em conhecimento
Feito este duro (mas absolutamente realista e sincero) comentário inicial, vamos agora para o tema principal, que são as “super oportunidades” na bolsa de valores. Primeiro: o mercado de renda variável é lícito e não há nenhum problema em você investir nele. Eu mesmo faço isso, e com frequência. A questão gira em torno de como você fará seus investimentos.
Diferente da renda fixa, onde você entende os produtos, aplica seus recursos de forma segura e extrai um lucro real mensal, ainda que pequeno, a renda variável requer muito mais estudos, porque há centenas (isso mesmo, centenas) de operações, estruturadas ou não, que podem ser realizadas neste ambiente.
Há ainda o fato de que na renda variável você pode (facilmente) amargar prejuízos grandes. Aliás, você pode até perder tudo o que você investiu (e até mais, se estiver operando alavancado).
Não estou dizendo tudo isso para colocar medo em você ou deixa-lo preocupado; estou sendo realista para mostrar, principalmente para os novatos, que o ambiente da bolsa requer cautela quando se conhece pouco sobre ele.
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Gestão de riscos: preservar é preciso
Chegamos no ponto principal deste texto: a gestão de riscos. Se a bolsa de valores é um ambiente de risco elevado, é fundamental trabalharmos o gerenciamento destes riscos a fim de diminuir ao máximo nossas possibilidades de perda. Dessa forma, precisamos operar na bolsa de valores pensando primeiro em proteger o capital investido; só depois vem a busca por lucro.
Por isso é tão importante trabalhar com os conceitos de “stop” nas operações, ou utilizar instrumentos derivativos (como as PUTs) para fazer um “seguro” das ações em carteira. Seja como for que você irá montar o seu “setup” (que é a maneira como você decide se estruturar para operar na bolsa), é importante trabalhar o conceito de preservação do capital investido.
Se o mercado está “ruim” para o “setup” que você definiu, então simplesmente não opere. Isso também é uma estratégia. Não operar é um tipo de operação, entendeu? No caso, uma operação de proteção.
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Capital de risco e patrimônio total
Por fim, é importante entender que ainda que sua gestão de riscos seja ótima, o risco continuará sempre existindo.
Assim, quando você olha todo o seu patrimônio, você deve separar uma quantia em dinheiro para operar na bolsa de valores com o seguinte pensamento: se eu perder todo esse dinheiro, isso vai complicar minha vida, ou tudo segue bem?
Em português mais claro, não se opera na bolsa de valores com o “dinheiro do leite das crianças”. Sim, muitos leitores sempre me perguntam qual é a porcentagem ideal do patrimônio para se investir na bolsa. Pois é, as pessoas preferem respostas prontas à importância de entender os fundamentos e ajustar o cenário conforme sua situação particular.
Então entenda que estou apenas dando um exemplo, e que cada caso é particular, e tem íntima relação com seu perfil de investidor (conservador, moderado, agressivo). Manter 90% do patrimônio na renda fixa e 10% em renda variável é um exemplo que pode fazer sentido para a maioria das pessoas que tem perfil conservador.
Analise seu caso com profundidade e tome suas próprias decisões. O exemplo que usei foi apenas um entre muitos outros, e ele muda de acordo com o cenário e as necessidades de cada um. Eu já tive quase 50% do capital em bolsa, depois zerei, voltei a ter 30% recentemente, diminui de novo, enfim, acho que você captou, certo?
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Conclusão
Nosso leitor perguntou se acho bom ele vender seu carro e colocar o dinheiro em ações. Já que ele tem dois carros e pensa em vender um, depreendo que o segundo não fará muita falta. Como carro gera muitas despesas e sofre depreciação mês a mês, é inteligente se desfazer dele e investir em algo que dê lucro.
Se o investimento será em ações de empresas listadas em bolsa ou em títulos públicos, acredito que nosso leitor já tem condições de decidir depois de refletir sobre os fatos e comentários que apresentei.
Eu não venderia um carro para investir na bolsa sem pesar muito bem minhas prioridades e os sinais que me fazem pensar nessa possibilidade. Estou movido pela euforia? Minha expectativa é enriquecer e multiplicar rapidamente este capital? Lembre-se da reflexão dos atalhos que propus no início do texto.
Tudo isso para dizer algo simples, mas poderoso: no fim das contas, a decisão (a responsabilidade e as consequências) será sempre sua. Escolha, decida-se e mexa-se com coerência e inteligência, nunca no calor da emoção ou seguindo apenas “dicas”.
Ah, e sobre o “rali do impeachment”, não tenho bola de cristal e cabe lembrar que o Brasil não é um país para amadores. Aqui, tudo pode acontecer. O que posso afirmar é que os mercados preferem governos que fazem menos intervenções na economia. Sempre que o mercado perceber que há possibilidade de isso acontecer, veremos (surfaremos) reações positivas. Abraços e até a próxima!
Foto “businessman”, Shutterstock.